23 de ago. de 2012

O Tarado das Recepcionistas

Roberval era um cara bacana.

Sempre bem-humorado, não tinha tempo ruim pra ele.

Era a salvação da mesa quando acabava o assunto e o imperador das conversas de elevador.

O que ninguém desconfiava era que Roberval tinha um segredo cabeludo. Mas tão cabeludo que ele podia muito bem ter saído dos anos 80.

Roberval era um tarado.

O tarado das recepcionistas.

Isso começou quando ele ainda era pequeno.
Nas viagens, enquanto a família se divertia na piscina do hotel, Roberval não saia do front desk.

Seus cartões postais tinham sempre os mesmos destinatários: a recepcionista do dentista, do pediatra e até Zuleide, a recepcionista do seu pai que há muito já passara da flor da idade.

Enquanto isso, a sua Tia Flora, que sempre dava uma nota de cinquenta em seu aniversário, coitada, não recebia nem uma mensagem de texto.

Quando ele era criança até que era bonitinho.

Fofinho.

Mas aos poucos as pessoas começaram a notar que o problema era sério. Principalmente quando ele, com 14 anos, tentou fugir com a recepcionista da locadora de video-games onde ele passava as tardes.

Quase conseguiu.

A sorte foi que o marido da recepcionista, que era delegado, tinha levado as chaves do carro dela por engano e quase não acreditou quando chegou um chamado reportando que uma mulher nas mesmas descrições de sua esposa estava tentando arrombar um carro tendo o próprio filho como comparsa.

Roberval frequentou diversos psicólogos ao longo dos anos.
Ao invés de escolher pelo preço, seus pais escolhiam pelo gênero da pessoa encarregada da recepção.

Se fosse XX, eles saiam correndo.

O tempo passou e Roberval não apresentou nenhum sinal de mudança de comportamento.
Quando ele fez 18 anos, seus pais jogaram a toalha e o seu tio Fifão levou o garoto, que ainda não tinha desfrutado da companhia íntima de uma mulher, a um estabelecimento com poucos pudores morais.
Chegando lá, Roberval descobriu que Fifão tinha molhado várias mãos - no sentido financeiro - e conseguiu que a moça mais famosa do local prestasse uma atenção especial ao seu sobrinho.

Pobre Fifão.

Roberval terminou a noite na kitnet alugada da recepcionista, conhecida como Cida Amansa Gato.

Um belo dia, andando em direção ao metrô, Roberval viu a mulher mais bonita do mundo.
Ela estava em pé, encostada em um muro coberto de musgo, fumando um cigarro.
Roberval, que não fumava, pediu - só pra puxar assunto - um cigarro a ela, que riu com vontade quando ele tentou acender o filtro ao invés da ponta.

Eles passaram 49 dias conversando.

Pelo menos foi isso que pareceu para Roberval.

O problema é que eles não tinham nada em comum.

Ela gostava de Sex Pistols, Nirvana, Interpol e Elvis.

Já Roberval, não ia dormir sem a voz de Frank Sinatra embalando seu sono.

Roberval gostava de ver futebol nos domingos à tarde, enquanto ela ia cuspir na cara da sociedade na Marcha das Vadias.

Mesmo assim Roberval seguia loucamente apaixonado. Infeliz, mas apaixonado.

As brigas eram constantes, parecia até que eles não falavam a mesma língua.

Os amigos já não aguentavam mais as reclamações de Roberval e diziam para ele largar essa mulher e voltar a ser feliz, mas Roberval não conseguia passar um minuto longe dela.
Aliás, essas conversas, na maioria das vezes, se davam por mensagens de texto enquanto ela estava no banho.

Tudo continuava normal, indo de mal a pior, quando Roberval achou um envelope no meio das coisas da mulher.

Era um diploma.

Recepcionista do ano 1999.




14 de mar. de 2012

O emprego dos sonhos

Meu nome é Joca. Não, não é João Carlos. É só Joca mesmo. Mas como o povo tem mania de colocar apelido em todo mundo, me chamam de Jó.
Tive uma infância normal, uma adolescência normal, uma juventude normal e estou na idade adulta normal.
Eu sou responsável pela segurança do edifício garagem de um shopping na cidade onde vivo e gosto muito do meu emprego.
Não pelo salário, que mal dá pra pagar meus discos piratas de Frank Zappa e as garrafas de vodka polonesa falsificada. Também não é pelo ambiente, já que os escapamentos dos carros não são os companheiros de trabalho ideais, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Eu adoro meu emprego porque consigo, mesmo que por poucos segundos, sentir as emoções de milhares de pessoas todos os dias.
Toda vez que um carro se aproxima da caixinha que recolhe os tickets de estacionamento e o vidro desce, eu sempre fecho os olhos segurando a respiração, me concentrando pra receber um jorro momentâneo de intimidade, degustando as alegrias, decepções e esperanças.
Eu já compartilhei a dor de uma mulher traída acompanhando o balanço das baladas de Joe Cocker, já ri junto com um jovem ao som do besteirol genial dos Mamonas Assassinas e já presenciei a excitação de um casal com o fundo musical sensual do Portishead.
Isso se tornou um vício tão grande que eu nunca tirei férias. Não consigo me imaginar sem essas doses diárias de emoções, mesmo que não sejam minhas.
Todas as vezes que eu coloco a cabeça no travesseiro, lembro das músicas do dia que passou e pego no sono com um sorriso trêmulo no rosto, antecipando o dia que está para chegar.
Um dia eu ouvi minha música preferida e não pude deixar de olhar nos olhos da mulher que estava tendo problemas para passar o cartão. Ela não tinha pago o estacionamento porque achou que ainda não tinham passado os 20m e estava ficando nervosa com as buzinadas dos homens-gado de terno voltando da alforria das 2h de almoço.
Pedi pra ela colocar o carro de lado e acho que meu rosto me traiu quando ela desligou o som. Ela parou, olhou pra mim durante o que me pareceu horas e ligou novamente o rádio. Aos poucos ela se aproximou de mim, pegou minha mão e começamos a dançar, tão devagar que nossos pés mal se moviam.
Até hoje lembro do cheiro do seu cabelo e do jeito que ela encostou sua cabeça no meu ombro, enquanto Billie Holiday dilacerava minha alma cantando Body and Soul.




21 de mai. de 2011

Ele

Eu sempre me perguntei o que era o amor.
Tudo bem, não sempre, mas pelo menos desde que meu cérebro começou a funcionar de uma forma aceitável.
Segundo os filmes, os livros e as músicas, o amor é um sentimento inigualável, incomparável, inenarrável, impossível de ser compreendido.
Mas se é assim, como a gente vai saber que está amando?
A-HÁ!
Pois é. Eu também não sei.
Mas eu sei que eu sempre quis amar loucamente. Acho que mais pra finalmente entender do que todos os filmes, livros e músicas falam do que para amar propriamente dito.
E sabem o que eu descobri?
Eu já amava. Sempre amei. Todo mundo sempre amou.
Porque o amor não é um sentimento único, que arrebata pessoas tirando o ar dos pulmões fazendo com que elas sonhem acordadas.
O amor é simples.
Eu, por exemplo, amo um shopping.
Amo boliche.
Amo o barril de cerveja da Heineken.
Amo café, até quando é mal-feito.
Mas também amo Dedé, Nathalia, Corpinho, Déa, Fofo, Yuri, Léo e Guila.
Amo até meus pais!
O importante não é a intensidade ou a quantidade de amor que se tem. É como você usa esse amor.
Mesmo se você ama uma coisa estranha, o que importa é que ela faça você sorrir.
Pode ser um bicho de pelúcia, uma pessoa ou simplesmente um chumaço de algodão.




10 de mar. de 2011

Eu vi um passarinho. Mas ele era azul.



O Twitter mudou minha vida.


Enquanto você comenta com o colega do lado o quanto essa frase é clichê, deixa eu explicar melhor.


Antes do Twitter, você andava pelo ambiente desorganizado e muitas vezes hostil da internet para encontrar o que queria, mas não sem antes encontrar milhares de coisas que não queria.


Até aí tudo bem, já que nessa época você provavelmente era um estudante cuja maior preocupação era passar de ano e ver a vizinha trocando de roupa.

Mas quando você vira adulto, as coisas complicam e você não pode mais perder tempo.


Tudo é pra ontem. Tudo é sem prazo.


Tudo é urgente-se-não-Seu-Astolfo-vai-vir-aqui-e-vai-sobrar-pra-todo-mundo.


Enquanto todas as empresas erguiam muros e palavras como sexta-feira e sexagenário eram consideras riscos atômicos para o bem-estar da rede ultra-veloz da companhia, chegou o Twitter.


Tudo bem, se você segue o o primo da sua namorada que insiste em falar do novo cd do Restart, o Twitter é chato. Muito chato. Mais chato que o Jâstên.


Mas se você segue aquele cara que fala um monte de coisas espertas que você pode usar para impressionar seu chefe, aí a coisa muda de figura, né?


Ah, sim, como foi que ele mudou minha vida. Certo.


Você sabe como é ter todo o conhecimento do mundo a um clique de distância?


É, nem eu.


Nem o cara que criou essa frase, que hoje deve estar socado no departamento de inovações de uma Dunder Mifflin da vida.


O que eu sei é que no Twitter eu posso escolher que tipo de informações vão chegar na minha tela de LCD.

Eu nem preciso pedir. Elas simplesmente aparecem.


Calma, calma. Não é feitiçaria. É tecnologia.


Com o Twitter, você pode seguir só quem interessa, quem oferece um conteúdo relevante e verdadeiro.

As vezes engraçado.

Mas cuidado com o stand-up comedy virtual.

É pior que sacolé de cicuta.


Com esse passarinho que já virou celebridade, ao invés de passar muito tempo tentando andar na Mumbai cibernética, você pode encontrar tudo que interessa rapidinho.


Aí sobra mais tempo para o que realmente importa na vida: ver sua vizinha trocando de roupa.





17 de out. de 2010

Amizade Colorida

Eles eram melhores amigos. Mas daqueles do peito mesmo. E olhe que ele nem olhava pro dela.

Desde o primeiro dia de aula da turma da auto-escola ele não conseguia parar de olhar pra ela.

Talvez fosse o sorriso largo, o jeito de colocar os cabelos atrás da orelha ou os olhos inquietos que piscavam mais rápido que o ponteiro de segundos do relógio de parede da sala. Ou quem sabe eram os cabelos verdes.

Ele tentou chamar a atenção dela de todo jeito. Até que em um movimento desesperado, fez um "psiiu!" e, quando ela olhou, jogou um aviãozinho de papel onde perguntava seu nome.

Pena que o aviãozinho tinha outros planos e decidiu pousar entre os olhos dela.

O professor virou pra ver o que estava acontecendo quando ela jogou o kit de primeiros-socorros no rosto dele e saiu, batendo a porta. Pena que era a porta do almoxarifado.

Ainda com gaze no cabelo, ele foi atrás dela. Pediu desculpas e ofereceu um chocolate que estava no bolso da sua jaqueta desde a festa de Cosme e Damião. Do ano anterior.

Ela sorriu, colocou o cabelo atrás da orelha, fez um muxoxo e aceitou. Conversaram sem parar até a aula terminar e ficaram de rachar um táxi no outro dia, já que moravam no mesmo bairro.

Pena que no outro dia ela não pôde ir porque estava no hospital com uma infecção estomacal.

Quando ela voltou, eles tornaram-se amigos inseparáveis. Faziam tudo junto. Menos isso que você está pensando.

Ela fez questão de que ele estivesse ao seu lado quando foi dirigir pela primeira vez. E ele nem ligou quando ela morreu 13 vezes antes de conseguir sair do pátio da auto-escola.

Foram anos de amizade. Ele finalmente conseguia entender aquela música de Roberto Carlos.

Até que um dia ela ligou dizendo que precisavam conversar.

Ele estava sentado na sorveteria de sempre, tomando seu 5º expresso quando ela chegou com uma mala. Disse que ia viajar e nunca voltaria. Ela explicou o motivo, mas ele não ouviu nada. Não conseguia prestar atenção no que ela falava.

Apesar de o café já ter acabado, ele continuava levando a xícara à boca. Talvez se eu não parar, pensou ele, ela nunca levante.

Mas ela levantou. Misturaram as lágrimas. Ele pediu mais um expresso. Ela se foi.


3 meses depois ele soube que ela tinha ido tratar de um câncer. Foi embora porque não queria o ver sofrendo.

Quando ele chegou ao hospital, os cabelos verdes já não estavam mais lá. Mas o sorriso largo era o mesmo e ocupou todo o quarto quando ela o viu.

Novamente misturaram as lágrimas. Se olharam durante 200 anos. Ele sentou e segurou a mão dela.

Ele levava uma sacola grande. Quando ela perguntou o que era, ele não disse nada. Abriu, tirou uma peruca verde e colocou em sua cabeça.


Nada mal pra uma jovem de 72 anos, ele disse.


Ela sorriu, olhou para ele dos pés à cabeça e disse: nada mal pra um velho de 38.





13 de nov. de 2009

Qual foi a Sexta Feira 13 mais louca que você já teve?

Eu tinha 14 anos.

Bem naquela idade onde qualquer menina que tenha tudo no lugar é atraente.

Os pais de Mel - que na verdade se chamava Vanessa, mas a gente a chamava de Mel porque ela parecia com Mel Gibson. O que era uma maldade. Mel Gibson era bem mais presença – estavam viajando e deixaram a irmã dela tomando conta da casa.

Como toda adolescente que se preze, a irmã de Mel, que tinha 17 anos, trancou-se no quarto com Beto da Jaqueta (que ignorava os 36 graus – na água – que sempre fazia no Recife e ia para todos os lugares com uma jaqueta de couro) e passou o fim de semana lá.

Como era uma sexta-feira 13, decidimos alugar 13 filmes de terror para comemorar a data. Colocamos a fita no videocassete e começamos a maratona.

Eu estava sentado entre Mel e Roberta Gambá (que era uma gatinha, mas não tinha Leite de Rosas que desse jeito). Consequentemente, joguei todo o meu charme pra cima de Mel. Incluindo aquela velha espreguiçada para colocar meu braço por cima do ombro dela.

Na metade do segundo filme, nós já estávamos de mãos dadas. No final, ela já estava com a cabeça no meu ombro.

Apesar do torcicolo por não me mexer para não balançar a cabeça de Mel, eu já estava bolando um plano para conseguir dar um beijo.

Depois de pensar bastante, tive uma ideia genial. Virei pra Mel e falei: se tiver com medo, pode me beijar.

Para tudo, para tudo. Como assim “me beijar?!”

Olhei para os lados procurando ajuda e só vi Roberta Gambá abraçada com a almofada (que depois eu soube que foi incinerada) e a cara de quem não estava entendendo nada de Mel.

Sem saber o que fazer, decidi fingir um ataque de tosse e corri para o banheiro.

Lavei as mãos, o rosto, o cotovelo, o pescoço e quando não tinha mais o que lavar, saí do banheiro.

Quando cheguei na sala, todo mundo estava dormindo, menos Roberta Gambá, que continuava abraçando a almofada.

Sentei ao lado dela, segurei a ânsia e dei um sorriso. Ela olhou pra mim, também sorriu e me beijou.

Pensei: Bem, já que está todo mundo dormindo, ninguém precisa saber de nada.

Passei a respirar apenas pela boca e encarei.

Depois de um tempo ela disse que tinha que ir pra casa. Fui com ela e depois de dar uns amassos no elevador (bons tempos quando os elevadores não tinha câmera, hein?) a deixei na porta de casa.

Até hoje, quando passa um filme de terror na TV, me lembro daquele dia. Afinal de contas, minha melhor camisa foi pro lixo naquela sexta-feira 13.





13 de out. de 2009

O Botequim.

À tarde, como de praxe, o botequim encontrava-se vazio.

Alaôr, Seu Ala para os íntimos, proprietário, garçom, caixa, cozinheiro e confidente estava olhando para a TV, tentando captar alguma coisa entre os chuviscos da 14 polegadas.

Quando os três ponteiros do relógio de parede estavam todos no 3 – o dos segundos, quebrado, nunca saia de lá – eles entraram.

Inimigos mortais, não se falavam desde a infância. Maior que o ódio que sentiam um pelo outro, apenas a curiosidade que o encontro diário para um café causava nos funcionários do botequim, seu Ala e a TV.

A tensão pairava no ambiente, junto com o escape dos ônibus que saiam de cinco em cinco minutos do terminal logo em frente.

O bule, com duas xícaras, já os esperava no local de sempre.

Sentavam-se ali todas as tardes e ficavam horas em silêncio. Um servia café ao outro, mesmo correndo perigo. Desconfiavam de uma dose fatal de veneno.

Seu Ala desconfiava de uma futura úlcera, devido ao café.

Quando o bule secava, eles levantavam, pagavam e saiam lado a lado, com medo de uma punhalada pelas costas. E assim eles seguiam a rotina, regando o ódio com cafeína.

Até que um dia, ao darem o primeiro gole no café, se entreolharam com ódio e surpresa nos olhos, caindo no chão do botequim logo em seguida.

Mortos.

No enterro só estavam presentes Seu Ala, o coveiro e o bule, que fora colocado por cima dos caixões, em uma homenagem irônica.

Uma semana depois, na tranqüilidade de uma tarde sem tensões, mas ainda com a fumaça dos escapes, Seu Ala decide tomar uma cafezinho. Seu último pensamento antes de cair morto no chão do botequim foi: “Como eu pude esquecer de lavar as xícaras?”





14 de jul. de 2009

Molho de chaves

Ela estava no elevador, descendo apressada para uma reunião com sua nova chefe, uma versão feminina de Hannibal Lecter.

Jogando o molho de chaves para cima, num ritmo constante e absolutamente irritante, ela ia imaginando o que estaria acontecendo nos andares que iam pipocando no visor do elevador.

Aquela mania que “O Falecido”, seu ex namorado, carinhosamente apelidou de tique – que me deixa – nervoso era a única coisa, fora o seu Camel Light, que ela não conseguia se livrar.

Na verdade, ela passou a apreciar ainda mais esse tique depois que descobriu o ódio que O Falecido tinha dele.

E assim ela ia, de andar em andar, irritando até o compositor da bossa-nova água com adoçante que tocava no alto falante estourado da relíquia que levava as pessoas para cima e para baixo, quando ele parou no 9º andar.

Automaticamente ela aumentou a velocidade do tique – que deixa O Falecido – nervoso, sinal que os conhecidos entendiam como um alto e sonoro “CORRAM PARA AS MONTANHAS!”, pensando no seu atraso e sentindo os olhares fulminantes que Hannibal de saias soltava para sua mesa, ainda vazia.

Foi quando ele entrou no elevador.

Baixo, quase careca, quase gordo, quase cinquentão. Um autêntico representante da espécie Quase. Tudo bem, ela também não era nenhuma Stephany, a do Crossfox, mas não aceitava sequer ser vista em companhia de um dos Quase.

Ela murmurou um boa-tarde em resposta ao seu animado bom-dia e continuou com o tique que certamente mataria o falecido em mais alguns anos de convivência.

O elevador continuava descendo, sem nenhuma pressa, quando ela derrubou o molho de chaves. Enquanto pensava no alívio que era não escutar mais aquele som, o Quase baixava para apanhar o molho e devolvê-lo, quando bateu a testa quase careca no nariz dela.

Pedindo desculpas sem sequer parar para respirar, o que era pior que a dor, pensava ela, o Quase estava mortificado.

Ela levantou-se bruscamente, olhando com raiva para o Quase, que deu um sorrisinho amarelo e, para desespero dela, desculpou-se mais uma vez.

Quando ela se preparava para soterra-lo com todo a cultura verbal que uma infância com seis irmãos oferece, veio o espirro. Tão de repente que ela não conseguiu sequer colocar a mão na frente.

Ao abrir os olhos, ela deparou-se com ele sorrindo e, com um lenço na mão, dizendo “saúde”.

Até hoje contam essa história aos netos, ambos omitindo, num acordo silencioso, que ele jogou o molho de chaves no fosso do elevador enquanto ela assoava o nariz.





21 de jun. de 2009

Dois anos é muito tempo

Dois anos é muito tempo.


Quer dizer, isso depende do contexto.


Para pais de primeira viagem deve ser bem pouco. Até porque nesses dois anos a coisinha-linda-de-mamãe aprende a falar, andar, morder e sujar.


Mas para outros, é muito tempo.


Imagine só passar 730 dias tomando conta da Jabuticabeira mais antiga do Acre. Não dá, né?


Claro que existem outras coisas pra se fazer em 2 anos.


Aprender uma língua, achar todos os segredos de Metal Gear Solid 4 ou descobrir porque o pão sempre cai com a manteiga pra baixo.


Mas eu sempre tive a impressão que são as coisas mais legais que fazem o tempo passar mais rápido.

Deve ser por isso que desde 2007 ele tá andando num ritmo extraterreno. As vezes até parece que meu relógio tomou Red Bull.


O engraçado é que eu nunca imaginei que ia gostar que o tempo passasse tão rápido. Afinal de contas, quem gosta de ficar mais velho (favor ver o post anterior)?


Mas aqui estou eu, achando lindo o fato de o tempo passar ultra-mega-rápido.


Tão rápido que dá um frio na barriga.


Um frio que eu espero sentir pra sempre.


Happy sixteen.





31 de dez. de 2008

Crescer é bom. Pros outros.

Ser adulto não é legal.

Pronto. Falei.

Me digam, qual é a grande vantagem de envelhecer?

O incessante acúmulo de responsabilidades?

Porque convenhamos, ser criança é muito mais legal.
A única preocupação que se tem é passar de ano. E tentar pegar na mão da Maricota do 203.

Eu fazia as promessas mais mirabolantes pra ver aquele 7 azul no boletim no final do ano.
Desde parar de falar palavrão até estudar de verdade no ano seguinte.
Obviamente eu não cumpria nenhuma delas.
Mas eu lembro que prometia com um fervor impressionante.

Mals aí, Criador.

Mas melhor que a infância é a adolescência.
Você ainda pode se divertir como criança, mas tem regalias de adolescente, como dormir tarde e apalpar todos os centímetros das colegas adolescentes.
Mesmo que no final das contas o único lugar com livre acesso fosse o cotovelo.

De repente chega o vestibular.
Pressão de todos os lados.
Da professora psicótica que deposita as esperanças da sala em você (“você vai passar, tenho certeza. Você é especial”) até os pais, que não fazem nenhuma pressão declarada, mas também estão perdendo o controle do esfíncter, igualzinho a você.

Passado o vestibular, as coisas tendem a acalmar-se um pouco.
Claro que dependendo do número de vezes que ele foi tentado, a pressão posterior pode ser multiplicada algumas vezes. Umas trinta. Besteirinha.

Quando se entra na faculdade ainda existe a ilusão de que você voltou a ser despreocupado. Mais ou menos como a criança lá de cima.

HÁ!

Depois de um ano de zoeira, chega sua tia-avó de Cruz das Almas e manda aquela: “Um ano na faculdade e você ainda não tá estagiando, mizifio?”

É, amigo. Pressão.

Daí pra frente, filhote, é ladeira abaixo.

Estágio. Trabalhos da faculdade. Estágio. Monografia. Estágio. Contratação (ou não). Trabalho. Trabalho. Trabalho.

Daí, quando você tá começando a ganhar uma grana legal e voltando a ser pelo menos um adolescente – aliás, melhor. A área acessível cresceu consideravelmente - chega o pai da sua princesa e fala:
“E então, rrrrrrapaz. Não vai casar não?”

É, amigo.

Pressão.




29 de dez. de 2008

Politicamente chato

Os chatos do “politicamente correto” e do “moralmente aceitável” acabaram com a graça da vida.

Ou você não acha que tudo era muito mais divertido quando dizer que português é burro não era sinal de uma sociopatia iminente?

Crianças não podem mais brincar de luta com seus bonequinhos dos Comandos em Ação porque isso estimula a violência.

Saudável é ficar assistindo Pokemon, Chatomon e Bizarromon.

Jogos de computador são proibidos por terem um conteúdo excessivamente violento.

Na boa, alguma criança mentalmente saudável consegue se divertir jogando Ursinho Pooh na Floresta Encantada e Seus Amigos, os Bichinhos Fofinhos?

Experimenta fazer uma piada dizendo que os gaúchos têm uma opção sexual diferenciada ou que os baianos são preguiçosos. Sempre tem um militante do politicamente correto (normalmente um cara chato praca) dizendo que a gente está sendo intolerante, que isso não se faz, e que “eu vou contar pra sua mãe”.

Nem as rodinhas de bar se salvam.
Se alguém for contar uma piada que ofenda a nova ordem mundial, é capaz de o garçom nem servir mais à mesa. Ou pior, servir com aquele tempero especial.

Margaret Thatcher que me perdoe, mas minhas piadas de padres pedófilos, portugueses com um intelecto inferior (isso significa “burros”, ó pá) e judeus pirangueiros vão continuar firmes e fortes.

E quem achar ruim que vá ler Paulo Coelho.





6 de nov. de 2008

Pebas, não. Não mesmo

Nunca fui fã de poesia.
Pra ser sincero, sempre achei um saco.
Principalmente quando pegava um verso pra lá de confuso e perguntava a um fã do babado que diabos aquilo significava e ouvia de volta:
“Ah, isso depende da interpretação de cada um.”
Como assim?!
Quer dizer que Fulaninho de Tal escreve o que quer e nem precisa fazer sentido?
Isso é que é profissão, pensava eu com meus botões.
Botões não. Zíperes, que eu sou modernoso.

Outra coisa que eu nunca gostei e até tinha medo, antes de chegar na idade de conseguir espantar alguém com olhares ameaçadores: cantadores.
Na boa, ter que ficar ouvindo dois caras fazendo piada com você e no final ainda ter que pagar com medo de ser mais achincalhado?
Non, non, non. É demais pra mim.

Por isso nunca imaginei que algum dia eu aplaudiria de pé, e com vontade, a junção dessas duas...er...formas de arte.

No dia 22 de outubro eu fui para o lançamento do CD A Revolução dos Pebas, da banda Fim de Feira no teatro da Universidade federal de Pernambuco.
Como amigo dos integrantes, sempre fui aos shows e acompanhei a evolução do grupo. Mas, sinceramente, nunca fui fã.
Então, ao chegar no show, me preparei para duas horas de “lamento sertanejo”.

Odeio estar enganado.

A cortina subiu e meu queixo caiu.
Fiquei espantado em de repente me dar conta que o trio pé de serra com a zabumba hardcore de Bruno se transformou em um grupo musical pra lá de sensacional.

Acompanhei as músicas com uma avidez impressionante. Até parecia que eles eram britânicos.

Até os versos de Bruno, que eu já cansei de ouvir e até memorizei, mas não sem antes lutar muito contra, fizeram os pêlos do meu braço lutarem contra a força da gravidade.

Quando André começou a cantar, senti uma coisa que só achava que sentiria quando meu filho chegasse na mesa final do WSOP: orgulho.

Daí pra frente foi só ascensão, com convidados especiais e música nordestina tipo exportação.

O apogeu chegou e com ele veio uma batalha de pandeiros.
A platéia estava alucinada, não tanto quando Tonzinho, que parecia duelar com as cordas dos seus instrumentos e, para delírio dos presentes, sempre sair ganhando.

De repente, graças ao declamador, um cheiro de bolo que eu não sentia há muito tempo invadiu as minhas narinas.
E ele só aumentou quando seu Florismundo levantou-se para saudar seus netos.

Contrariando as regras conhecidas, a queda não veio.
O que veio foi uma chuva de aplausos. E merecidos.

Ao contrário de quando eu cheguei, saí de lá estranho.
Continuava sem gostar de poesias e cantadores ainda tinham lugar cativo na minha câmara de torturas.

Mas não pude deixar de sentir uma sensação conhecida, como se eu novamente tivesse comido um daqueles bolos, depois de torcer um bocado para ele dar errado.




17 de set. de 2008

Cheiro de avó

E cá estou eu.

Pensando um monte de coisas quando deveria estar pensando em um título pro anúncio de carros usados de um cliente.

Entre essas coisas eu lembrei da minha avó.

Vovó Dezinha.

É, ela era tão fofinha quanto o nome.

E sim, ela já morreu.

Eu a amava do fundo do coração. Afinal de contas, ela era daquelas avós que todo mundo amava. Até os netos das outras avós.

Eu tenho uma visão muito particular da Dona Morte.
Inevitável.
Igual a lamber a tampa de alumínio do iogurte.

E acho que foi por isso que eu, por mais incrível que possa parecer, não fiquei triste quando ela morreu.

Chorei, é claro. Mais do que o Cesar Cielo.

Mas chorei de saudade. E não de tristeza. Porque eu sabia que ela era feliz.

Bastava olhar naqueles olhinhos pequenos para ver que ela era muito feliz.
Sabe aquela pessoa que você olha e muda seu humor?
Ela era assim.

E não era aquela felicidade que se sente quando o time ganha do rival, ou quando se acha uma nota de 50 no bolso da calça.

Era felicidade de ter vivido. E bem.

E é por isso que eu não fiquei triste quando ela cansou daqui e partiu.

Apesar de às vezes ainda chorar de saudade.

Quando eu me lembro do abraço e do beijo na cabeça.
Ou da risada aguda e contagiante.
Quem sabe é por causa dos carinhos no meu cabelo quando eu deitava no colo dela?

Mas nada se compara a lembrança do cheiro dela.

Cheiro de avó.

Da minha vovó Dezinha.




1 de set. de 2008

Carona com Chimbinha e Dona Ivone Lara

Cena:
Ônibus lotado, sete e meia da noite, som ambiente de Calypso (vai Chimbinha,vai!).

De repente, o motorista mete o pé no freio. Com aquela vontade que só algumas pessoas têm.
Lá estou eu, tentando me equilibrar quando olho para o lado e vejo Dona Ivone Lara vindo pra cima de mim.
Olho para os lados na esperança de achar uma saída. Mas não tinha nenhuma.
Ou Dona Ivone em cima de mim, ou a cabeça no chão do coletivo.
Respirei fundo e pensei: "Meu playstation para André, minha maleta de poker para Corpinho, minhas dívidas para meu chefe."
Abri as pernas para ter mais equilíbrio e segurei com força para tentar resistir ao impacto.

Pobre de mim.

Dona Ivone veio desgovernada, atropelando tudo pelo meio do caminho. Mais ou menos como aquele ônibus pilotado por Sandra Bullock.

Impacto. Dor. Oxigênio expelido abruptamento dos pulmões.

Abro os olhos e a primeira coisa que eu vejo é um sovaco suado no meu rosto.
Dona Ivone me derrubou e ainda ficou por cima. Além de tudo nem pude exercer meu papel de macho alfa.

Ela levanta. Ou melhor, é levantada.

Eu tento me erguer, mas a visão do sovaco está viva demais na minha cabeça. E nas minhas narinas.

Consigo ficar de pé. Tudo dói. Principalmente as narinas.

A guitarra maldita de Chimbinha continua gemendo. Igual a mim.

O motorista se vira e fala: "Desculpa aí galera!"

O ônibus segue, assim como a guitarra e o cheiro inesquecível do sovaco de Dona Ivone Lara.




20 de ago. de 2008

O Prazer Do Vazio

Folhas em branco causam sempre o mesmo efeito em mim.

Aquele velho e familiar sentimento de infinitas possibilidades. Como se fosse a chance de começar algo do zero, um recomeço.

Em sua frente não tenho passado, não tenho futuro. Tudo que tenho é aquele momento. Aquela chance de criar. Criar personagens, criar histórias, contar mentiras, contar verdades.

Com ela ao meu lado posso trocar uma idéia com Raskolnikov, posso paquerar com, ai ai, Audrey Hepburn, posso fazer um dueto com Johnny Cash.

Na sua imensidão pálida dou um mergulho no parque de diversões que costuma ser minha cabeça.

Posso colocar pra fora os meus sentimentos, angústias.

Posso ser criativo. Posso ser brega.

Você deve estar pensando: "Mas que exagero. Não passa de uma folha em branco!"
Então pergunto: quem nunca teve vontade de ter outra chance?

Na frente da minha amiga vazia sou quem quiser ser.

E não precisa ser uma folha especial, não. Pode ser uma dessas comuns, do Word mesmo.
Afinal de contas, nada se compara com a oportunidade de um restart.

Sou mesmo um privilegiado por toda manhã ter um encontro com uma folha em branco.




17 de ago. de 2008

Eu não resisto

Quando eu tava pensando em colocar esse blog no ar, fiquei em dúvida sobre uma coisa: falo ou não sobre publicidade?
Blogs sobre publicidade existem vários. Um melhor que o outro. Então achei que essa categoria já estava bem representada (o Brainstorm9 do Merigo é um bom exemplo). Mas, navegando pelo BlueBus, achei esse pôster da Mc Donald's feito por um fã e não resisti.



Tudo bem, isso pode não se encaixar como publicidade. Mas me fez pensar em 3 coisas.


1)
A publicidade está transformada. Aquele consumidor que ficava sentado no sofá mergulhando Oreos no leite já era (o Oreo com leite continua firme e forte, claro.) Com a evolução da tecnologia, o consumidor agora tem o poder de escolher se vai ou não ser atingido pela publicidade.

E qual a solução para isso?

Entretenimento.

Criar uma relação emocional com o consumidor é fundamental para o sucesso de qualquer campanha.
Voltando ao Ronald/Coringa, se isso realmente fosse uma campanha da Mc Donald's, seria muito interessante por tudo isso que eu já falei lá em cima.

A espetacular atuação de Heath Ledger somada a sua morte prematura já deixaria a campanha mais interessante.

Agora imagine se a Mc Donald's fizesse um Mc Lanche Feliz com o bonequinho do Coringa? Será que ia fazer sucesso?


2)
A paixão pela marca.

Com certeza o sonho de toda empresa é fazer com que seu consumidor seja apaixonado por ela. E esse pôster pode ter sido fruto da paixão da paixão de um fã de Batman que também adora a rede de fast-food.

3)
Esse pôster pode, é claro, ser uma piada de mal gosto com a Mc Donald's. Afinal de contas, juntar um vilão carniceiro e psicopata com o "simpático" personagem infantil pode não pegar muito bem.




16 de ago. de 2008

Sexta-feira

Eu acho engraçada a revolução que a sexta-feira causa na vida das pessoas.

Sério mesmo.

As sextas-feiras são repletas de perguntas como: “E aí, qual é a boa de hoje?”
E se você ousar responder que não vai fazer nada corre o risco de ser olhado de uma maneira estranha, como se de repente seu rosto se transformasse no de Dercy Gonçalves. Com hanseníase.

Sem falar que ninguém trabalha na sexta-feira.
Nem os chefes.
Aliás, muito menos os chefes.
A única coisa que acontece nas sextas-feiras são as conversas:
“Hoje eu vou nos Jardins, pegar arnega (playboyzês para “as negas”).
Ou então:
“Amiiiiiiiga. Tudo certo pra hoje, né? Vai ter Felipão & Forró Moral na Fashion. A gente se encontra lá. Beijo, miga”.

Argh.

Eu fico nervoso nas sextas-feiras.
Essa pressão social pra fazer alguma coisa me tira do sério.
Numa sexta-feira dessas (justo quanto eu tinha prometido que ia arrancar o fígado pelo sovaco do próximo que me perguntasse o que eu ia fazer) um dos meus chefes entrou na sala e começou a discursar sobre como ele adora a sexta-feira, como ele passa a semana toda esperando por ela e todo o discurso “I coração Sexta-Feira".
Ele passou, no mínimo, meia hora puxando o saco desse maldito dia.

Eu estava suando.

Minha cadeira estava parecendo uma daquelas bóias de parque aquático. Aquelas que quando você se mexe faz um barulho agradável, sabe?
De repente ele virou pra mim e fez: “E aí, Paulo? Hoje você vai...”

O sangue subiu.

A veia na minha testa parecia o Grand Canyon e eu não me controlei. Levantei da cadeira (e o barulho da bóia me irritou ainda mais), olhei nos olhos dele já esperando pra jogar a bandeira de R$1,00 do Náutico que tem em cima do monitor assim que ele completasse a pergunta.

“... sair na hora, né? Pra compensar que você ficou até tarde ontem.”

Ufa.

Odeio sextas-feiras.