17 de out. de 2010

Amizade Colorida

Eles eram melhores amigos. Mas daqueles do peito mesmo. E olhe que ele nem olhava pro dela.

Desde o primeiro dia de aula da turma da auto-escola ele não conseguia parar de olhar pra ela.

Talvez fosse o sorriso largo, o jeito de colocar os cabelos atrás da orelha ou os olhos inquietos que piscavam mais rápido que o ponteiro de segundos do relógio de parede da sala. Ou quem sabe eram os cabelos verdes.

Ele tentou chamar a atenção dela de todo jeito. Até que em um movimento desesperado, fez um "psiiu!" e, quando ela olhou, jogou um aviãozinho de papel onde perguntava seu nome.

Pena que o aviãozinho tinha outros planos e decidiu pousar entre os olhos dela.

O professor virou pra ver o que estava acontecendo quando ela jogou o kit de primeiros-socorros no rosto dele e saiu, batendo a porta. Pena que era a porta do almoxarifado.

Ainda com gaze no cabelo, ele foi atrás dela. Pediu desculpas e ofereceu um chocolate que estava no bolso da sua jaqueta desde a festa de Cosme e Damião. Do ano anterior.

Ela sorriu, colocou o cabelo atrás da orelha, fez um muxoxo e aceitou. Conversaram sem parar até a aula terminar e ficaram de rachar um táxi no outro dia, já que moravam no mesmo bairro.

Pena que no outro dia ela não pôde ir porque estava no hospital com uma infecção estomacal.

Quando ela voltou, eles tornaram-se amigos inseparáveis. Faziam tudo junto. Menos isso que você está pensando.

Ela fez questão de que ele estivesse ao seu lado quando foi dirigir pela primeira vez. E ele nem ligou quando ela morreu 13 vezes antes de conseguir sair do pátio da auto-escola.

Foram anos de amizade. Ele finalmente conseguia entender aquela música de Roberto Carlos.

Até que um dia ela ligou dizendo que precisavam conversar.

Ele estava sentado na sorveteria de sempre, tomando seu 5º expresso quando ela chegou com uma mala. Disse que ia viajar e nunca voltaria. Ela explicou o motivo, mas ele não ouviu nada. Não conseguia prestar atenção no que ela falava.

Apesar de o café já ter acabado, ele continuava levando a xícara à boca. Talvez se eu não parar, pensou ele, ela nunca levante.

Mas ela levantou. Misturaram as lágrimas. Ele pediu mais um expresso. Ela se foi.


3 meses depois ele soube que ela tinha ido tratar de um câncer. Foi embora porque não queria o ver sofrendo.

Quando ele chegou ao hospital, os cabelos verdes já não estavam mais lá. Mas o sorriso largo era o mesmo e ocupou todo o quarto quando ela o viu.

Novamente misturaram as lágrimas. Se olharam durante 200 anos. Ele sentou e segurou a mão dela.

Ele levava uma sacola grande. Quando ela perguntou o que era, ele não disse nada. Abriu, tirou uma peruca verde e colocou em sua cabeça.


Nada mal pra uma jovem de 72 anos, ele disse.


Ela sorriu, olhou para ele dos pés à cabeça e disse: nada mal pra um velho de 38.





Nenhum comentário: