14 de jul. de 2009

Molho de chaves

Ela estava no elevador, descendo apressada para uma reunião com sua nova chefe, uma versão feminina de Hannibal Lecter.

Jogando o molho de chaves para cima, num ritmo constante e absolutamente irritante, ela ia imaginando o que estaria acontecendo nos andares que iam pipocando no visor do elevador.

Aquela mania que “O Falecido”, seu ex namorado, carinhosamente apelidou de tique – que me deixa – nervoso era a única coisa, fora o seu Camel Light, que ela não conseguia se livrar.

Na verdade, ela passou a apreciar ainda mais esse tique depois que descobriu o ódio que O Falecido tinha dele.

E assim ela ia, de andar em andar, irritando até o compositor da bossa-nova água com adoçante que tocava no alto falante estourado da relíquia que levava as pessoas para cima e para baixo, quando ele parou no 9º andar.

Automaticamente ela aumentou a velocidade do tique – que deixa O Falecido – nervoso, sinal que os conhecidos entendiam como um alto e sonoro “CORRAM PARA AS MONTANHAS!”, pensando no seu atraso e sentindo os olhares fulminantes que Hannibal de saias soltava para sua mesa, ainda vazia.

Foi quando ele entrou no elevador.

Baixo, quase careca, quase gordo, quase cinquentão. Um autêntico representante da espécie Quase. Tudo bem, ela também não era nenhuma Stephany, a do Crossfox, mas não aceitava sequer ser vista em companhia de um dos Quase.

Ela murmurou um boa-tarde em resposta ao seu animado bom-dia e continuou com o tique que certamente mataria o falecido em mais alguns anos de convivência.

O elevador continuava descendo, sem nenhuma pressa, quando ela derrubou o molho de chaves. Enquanto pensava no alívio que era não escutar mais aquele som, o Quase baixava para apanhar o molho e devolvê-lo, quando bateu a testa quase careca no nariz dela.

Pedindo desculpas sem sequer parar para respirar, o que era pior que a dor, pensava ela, o Quase estava mortificado.

Ela levantou-se bruscamente, olhando com raiva para o Quase, que deu um sorrisinho amarelo e, para desespero dela, desculpou-se mais uma vez.

Quando ela se preparava para soterra-lo com todo a cultura verbal que uma infância com seis irmãos oferece, veio o espirro. Tão de repente que ela não conseguiu sequer colocar a mão na frente.

Ao abrir os olhos, ela deparou-se com ele sorrindo e, com um lenço na mão, dizendo “saúde”.

Até hoje contam essa história aos netos, ambos omitindo, num acordo silencioso, que ele jogou o molho de chaves no fosso do elevador enquanto ela assoava o nariz.