23 de ago. de 2012

O Tarado das Recepcionistas

Roberval era um cara bacana.

Sempre bem-humorado, não tinha tempo ruim pra ele.

Era a salvação da mesa quando acabava o assunto e o imperador das conversas de elevador.

O que ninguém desconfiava era que Roberval tinha um segredo cabeludo. Mas tão cabeludo que ele podia muito bem ter saído dos anos 80.

Roberval era um tarado.

O tarado das recepcionistas.

Isso começou quando ele ainda era pequeno.
Nas viagens, enquanto a família se divertia na piscina do hotel, Roberval não saia do front desk.

Seus cartões postais tinham sempre os mesmos destinatários: a recepcionista do dentista, do pediatra e até Zuleide, a recepcionista do seu pai que há muito já passara da flor da idade.

Enquanto isso, a sua Tia Flora, que sempre dava uma nota de cinquenta em seu aniversário, coitada, não recebia nem uma mensagem de texto.

Quando ele era criança até que era bonitinho.

Fofinho.

Mas aos poucos as pessoas começaram a notar que o problema era sério. Principalmente quando ele, com 14 anos, tentou fugir com a recepcionista da locadora de video-games onde ele passava as tardes.

Quase conseguiu.

A sorte foi que o marido da recepcionista, que era delegado, tinha levado as chaves do carro dela por engano e quase não acreditou quando chegou um chamado reportando que uma mulher nas mesmas descrições de sua esposa estava tentando arrombar um carro tendo o próprio filho como comparsa.

Roberval frequentou diversos psicólogos ao longo dos anos.
Ao invés de escolher pelo preço, seus pais escolhiam pelo gênero da pessoa encarregada da recepção.

Se fosse XX, eles saiam correndo.

O tempo passou e Roberval não apresentou nenhum sinal de mudança de comportamento.
Quando ele fez 18 anos, seus pais jogaram a toalha e o seu tio Fifão levou o garoto, que ainda não tinha desfrutado da companhia íntima de uma mulher, a um estabelecimento com poucos pudores morais.
Chegando lá, Roberval descobriu que Fifão tinha molhado várias mãos - no sentido financeiro - e conseguiu que a moça mais famosa do local prestasse uma atenção especial ao seu sobrinho.

Pobre Fifão.

Roberval terminou a noite na kitnet alugada da recepcionista, conhecida como Cida Amansa Gato.

Um belo dia, andando em direção ao metrô, Roberval viu a mulher mais bonita do mundo.
Ela estava em pé, encostada em um muro coberto de musgo, fumando um cigarro.
Roberval, que não fumava, pediu - só pra puxar assunto - um cigarro a ela, que riu com vontade quando ele tentou acender o filtro ao invés da ponta.

Eles passaram 49 dias conversando.

Pelo menos foi isso que pareceu para Roberval.

O problema é que eles não tinham nada em comum.

Ela gostava de Sex Pistols, Nirvana, Interpol e Elvis.

Já Roberval, não ia dormir sem a voz de Frank Sinatra embalando seu sono.

Roberval gostava de ver futebol nos domingos à tarde, enquanto ela ia cuspir na cara da sociedade na Marcha das Vadias.

Mesmo assim Roberval seguia loucamente apaixonado. Infeliz, mas apaixonado.

As brigas eram constantes, parecia até que eles não falavam a mesma língua.

Os amigos já não aguentavam mais as reclamações de Roberval e diziam para ele largar essa mulher e voltar a ser feliz, mas Roberval não conseguia passar um minuto longe dela.
Aliás, essas conversas, na maioria das vezes, se davam por mensagens de texto enquanto ela estava no banho.

Tudo continuava normal, indo de mal a pior, quando Roberval achou um envelope no meio das coisas da mulher.

Era um diploma.

Recepcionista do ano 1999.




14 de mar. de 2012

O emprego dos sonhos

Meu nome é Joca. Não, não é João Carlos. É só Joca mesmo. Mas como o povo tem mania de colocar apelido em todo mundo, me chamam de Jó.
Tive uma infância normal, uma adolescência normal, uma juventude normal e estou na idade adulta normal.
Eu sou responsável pela segurança do edifício garagem de um shopping na cidade onde vivo e gosto muito do meu emprego.
Não pelo salário, que mal dá pra pagar meus discos piratas de Frank Zappa e as garrafas de vodka polonesa falsificada. Também não é pelo ambiente, já que os escapamentos dos carros não são os companheiros de trabalho ideais, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Eu adoro meu emprego porque consigo, mesmo que por poucos segundos, sentir as emoções de milhares de pessoas todos os dias.
Toda vez que um carro se aproxima da caixinha que recolhe os tickets de estacionamento e o vidro desce, eu sempre fecho os olhos segurando a respiração, me concentrando pra receber um jorro momentâneo de intimidade, degustando as alegrias, decepções e esperanças.
Eu já compartilhei a dor de uma mulher traída acompanhando o balanço das baladas de Joe Cocker, já ri junto com um jovem ao som do besteirol genial dos Mamonas Assassinas e já presenciei a excitação de um casal com o fundo musical sensual do Portishead.
Isso se tornou um vício tão grande que eu nunca tirei férias. Não consigo me imaginar sem essas doses diárias de emoções, mesmo que não sejam minhas.
Todas as vezes que eu coloco a cabeça no travesseiro, lembro das músicas do dia que passou e pego no sono com um sorriso trêmulo no rosto, antecipando o dia que está para chegar.
Um dia eu ouvi minha música preferida e não pude deixar de olhar nos olhos da mulher que estava tendo problemas para passar o cartão. Ela não tinha pago o estacionamento porque achou que ainda não tinham passado os 20m e estava ficando nervosa com as buzinadas dos homens-gado de terno voltando da alforria das 2h de almoço.
Pedi pra ela colocar o carro de lado e acho que meu rosto me traiu quando ela desligou o som. Ela parou, olhou pra mim durante o que me pareceu horas e ligou novamente o rádio. Aos poucos ela se aproximou de mim, pegou minha mão e começamos a dançar, tão devagar que nossos pés mal se moviam.
Até hoje lembro do cheiro do seu cabelo e do jeito que ela encostou sua cabeça no meu ombro, enquanto Billie Holiday dilacerava minha alma cantando Body and Soul.