14 de mar. de 2012

O emprego dos sonhos

Meu nome é Joca. Não, não é João Carlos. É só Joca mesmo. Mas como o povo tem mania de colocar apelido em todo mundo, me chamam de Jó.
Tive uma infância normal, uma adolescência normal, uma juventude normal e estou na idade adulta normal.
Eu sou responsável pela segurança do edifício garagem de um shopping na cidade onde vivo e gosto muito do meu emprego.
Não pelo salário, que mal dá pra pagar meus discos piratas de Frank Zappa e as garrafas de vodka polonesa falsificada. Também não é pelo ambiente, já que os escapamentos dos carros não são os companheiros de trabalho ideais, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Eu adoro meu emprego porque consigo, mesmo que por poucos segundos, sentir as emoções de milhares de pessoas todos os dias.
Toda vez que um carro se aproxima da caixinha que recolhe os tickets de estacionamento e o vidro desce, eu sempre fecho os olhos segurando a respiração, me concentrando pra receber um jorro momentâneo de intimidade, degustando as alegrias, decepções e esperanças.
Eu já compartilhei a dor de uma mulher traída acompanhando o balanço das baladas de Joe Cocker, já ri junto com um jovem ao som do besteirol genial dos Mamonas Assassinas e já presenciei a excitação de um casal com o fundo musical sensual do Portishead.
Isso se tornou um vício tão grande que eu nunca tirei férias. Não consigo me imaginar sem essas doses diárias de emoções, mesmo que não sejam minhas.
Todas as vezes que eu coloco a cabeça no travesseiro, lembro das músicas do dia que passou e pego no sono com um sorriso trêmulo no rosto, antecipando o dia que está para chegar.
Um dia eu ouvi minha música preferida e não pude deixar de olhar nos olhos da mulher que estava tendo problemas para passar o cartão. Ela não tinha pago o estacionamento porque achou que ainda não tinham passado os 20m e estava ficando nervosa com as buzinadas dos homens-gado de terno voltando da alforria das 2h de almoço.
Pedi pra ela colocar o carro de lado e acho que meu rosto me traiu quando ela desligou o som. Ela parou, olhou pra mim durante o que me pareceu horas e ligou novamente o rádio. Aos poucos ela se aproximou de mim, pegou minha mão e começamos a dançar, tão devagar que nossos pés mal se moviam.
Até hoje lembro do cheiro do seu cabelo e do jeito que ela encostou sua cabeça no meu ombro, enquanto Billie Holiday dilacerava minha alma cantando Body and Soul.